Diante do quadro de absoluto caos causado pelo avanço do contágio, aumento de mortes e colapso em leitos de UTI por todo o país, o lockdown, medida mais radical de combate à pandemia, deixará de ser opção.
O Brasil atinge o pico da pandemia, registrando seu pior dia com 1.641 mortos nesta terça-feira (02). Os números são alarmantes e aumentam simultaneamente a cada dia. Segundo dados do Ministério da Saúde, só na última semana foram contabilizadas 8.244 mortes por covid-19, sendo este número o pior registro desde o início da pandemia. O aumento proporcional de mortes por infecção e reinfecção resulta no mais absoluto caos em leitos de UTI por todo o território nacional, que entram em colapso colocando cidades e munícipios em estado de calamidade pública e em uma situação desesperadora.
A Pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a pneumologista Margareth Dalcolmo prevê que este será o mês de março mais triste dos últimos anos por conta do agravamento da pandemia. Dalcolmo, junto a Secretários de Saúde de vários Estados, veem o caos instaurado como consequência da desobediência nacional às recomendações feitas por cientistas, médicos e profissionais da linha de frente como o uso de máscaras, o distanciamento social, a necessidade de lavagem das mãos e o uso de álcool em gel.
“Isso é reflexo do Carnaval, das festas que tem acontecido clandestinamente. Teremos UTIs lotadas pelo país, cada vez mais contaminados jovens, ou seja, pessoas abaixo de 50 anos. Isso, sem contar a média alta de mortes. Teremos o mês de março mais triste dos últimos anos”, projeta a especialista.
Já segundo Átila Iamarino em entrevista à BBC, o Brasil adotou uma estratégia "genocida" ao apostar na chamada “imunidade de rebanho” para combater a covid-19, o que possibilitou o surgimento de uma nova variante mais perigosa e que vem causando mais mortes.

Autoridades de saúde e cientistas já pedem lockdown nacional de 15 dias para conter o avanço do contágio, especialmente entre jovens, que possuem um potencial de transmissão muito grande. E o apelo pelo confinamento em todo o território nacional embasa-se pela realidade.
Minas Gerais sofre com o colapso causado pela segunda onda depois das flexibilizações de restrições, liberação para o funcionamento do comércio, aglomerações durante as eleições, festas de fim de ano e bailes de Carnaval. O cenário de calamidade se reflete principalmente em municípios do interior. Incapacitada de atender todos os casos em seus leitos, o Estado é obrigado a transferir pacientes para São Paulo. São Paulo por sua vez, avalia entrar novamente na fase vermelha por 14 dias. Só no Estado, já há registro de 2.054.867 casos e 60.014 mortes por Covid-19.
Em Santa Catarina (SC), 16 pacientes morreram com Covid à espera por leitos especializados. Dentre os mortos, uma técnica de enfermagem que trabalhava na linha de frente e que esperava uma vaga de UTI no Estado.

Diante da gravidade em que passamos, o que nos resta? Sabemos que o lockdown é uma medida radical de toque de recolher adotada por autoridades como último recurso em um quadro de perda de controle sobre a pandemia, em que os casos de morte registram recordes diários, submetendo médicos e profissionais de saúde a terem de escolher quem vive e quem morre. E infelizmente, já estamos neste quadro. O colapso em leitos é nacional. Assim sendo, por mais crítica e radical que seja a medida, o lockdown agora se faz necessário como a única solução para frear o avanço do contágio e das mortes.
Esta não é uma conclusão política, mas científica. Infelizmente a ciência não tem desfrutado da simpatia do governo federal, que liderado por um negacionista que desdenha da dor de milhares de famílias que perderam seus entes, ainda minimiza a gravidade e o impacto da Covid-19 no país, relativizando a doença e promovendo constante desinformação. O presidente Jair Bolsonaro se prontifica a dizer que não é responsável pelos números exorbitantes de mortes registradas até o momento. Para seu infortúnio, a realidade o confronta com suas próprias palavras e atitudes.

Desde o início da pandemia, o presidente minimiza a Covid-19 a uma gripe comum, incentiva aglomerações, rejeita em público as medidas preventivas de distanciamento, não usa máscara, atrasa o início das vacinações no Brasil, rejeitando desde agosto as ofertas de compra de vacinas; torra dinheiro público da saúde na compra de medicamentos sem eficácia comprovada e que inclusive já registraram efeitos adversos e mortes em pacientes e hoje, continua negando a gravidade da situação, não apresentando até o momento um plano nacional de imunização, não acelerando a vacinação, que se encontra em ritmo muito lento, nem mesmo dando uma palavra de consolo, como todo chefe de Estado faz, para a população vítima de uma tragédia; pois hoje o que vivemos é uma tragédia. Um impeachment talvez fosse uma solução para dar ao Brasil um pouco mais de sanidade, mas o momento pede de nossos parlamentares pautas mais centradas no combate ao vírus.
É fato que todos nós queremos trabalhar, voltar a normalidade, voltar a viver. Mas a realidade exige de todos nós uma conscientização coletiva de que vidas estão sendo ceifadas dia após dia de forma descontrolada e que se não houver sacrifícios por parte de todos nós, mais mortes virão, tornando este país o epicentro mundial da pandemia.

Talvez se tivéssemos respeitado com rigor as medidas preventivas e a quarentena, estaríamos como o Reino Unido, mas passado um ano, estamos mesmo é como a Itália de 2020.
E o que era antes evitável, torna-se agora inevitável.
Redação: Ramon Ribeiro