Bolsonaro é um fenômeno político. Mas esse fenômeno pode ser igualado ou comparado com o de Lula da Silva, Getúlio Vargas ou JK?
Apoiadora de Bolsonaro em manifestação - Foto / Reprodução: O Globo
Presidente Bolsonaro cumprimenta apoiadores em Brasília - Foto / Reprodução: Jornal Cruzeiro do Sul
Depois da idolatria e veneração messiânica presente no lulopetismo, chega a vez de Jair Messias Bolsonaro tornar-se o mais novo alvo de veneração política, que assim como Lula, tornou-se segundo seus idólatras, um líder divino, incorruptível e santo. Será??
É fato que nossa república, durante quase todo o percurso de sua história, registrou até aqui longos e recentes episódios de populismo e de santificação de figuras políticas. Getúlio Vargas, JK, Lula, figuras como essa, já pertencentes ao passado, não nos deixam mentir. Mas falemos agora do presente. Jair Bolsonaro começou a ter seu nome citado entre o povo já nos protestos de 2016, que culminaram no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, e durante a gestão Temer, seu nome não parava de crescer entre os eleitores que coincidentemente estavam cansados de escândalos de corrupção, jogadas ao ventilador pela Operação Lava Jato, e cansados principalmente de tanto cinismo e de tantas palavras distorcidas de nossas ditas autoridades políticas, com seus codinomes em esquemas de empreiteiras e lavagem de dinheiro. E no ápice da desilusão política, o povo, com seu patriotismo adormecido para somente Copas do Mundo, se viu estendendo a bandeira nacional em sacadas, prédios e carros e dando a ela uma personificação humana que surgiu, vejam só, do mais deplorável ambiente político, o parlamento de Brasília. Seu nome passava confiança e era bem excêntrico, mas o que martelou mesmo a escolha de seu nome para liderar a guerra contra a classe política foi mesmo sua sinceridade quase que suicida e muitas vezes infeliz. Não são poucas as declarações de Bolsonaro que causam polêmica; mas curiosamente, o povo decidiu relevar seus posicionamentos considerados pelos intelectuais midiáticos e formadores de opinião como retrógrados para exaltar sua guerra declarada contra os caciques que dominavam esta república a tantas décadas e, tornando-se um símbolo de esperança, mesmo com todas as suas falhas e não tendo absolutamente nenhum domínio da formalidade, venceu as eleições de 2018 com uma campanha extremamente barata, uma facada nas vísceras e uma elite midiática e cultural com gigantesco poder de influência que todos os dias faziam protestos contra ele. Se isso não for um fenômeno político incomum, eu não sei o que é. Pois por muito tempo, bastavam-se apenas três coisas para se ganhar uma eleição: muita exaltação midiática, muita mentira e muita verba pública. Bolsonaro alçou ao primeiro lugar nas pesquisas apelando apenas para o discurso que correspondia aos valores tradicionais que compõem a grande massa de brasileiros e apenas com o apoio popular nas ruas e na internet. E pra martelar a vitória, discursou a favor da lava-jato e escancarou os esquemas de corrupção do Partido dos Trabalhadores, o qual seu rival, Fernando Haddad, era afiliado.
Passado um ano depois de sua posse, o presidente que havia prometido romper com as raposas da velha e suja política, acaba cedendo algumas exigências torpes que contrariam a vontade popular, tornando para uns um traidor e um estrategista para outros. Estas duas visões políticas tornaram-se polarizadas ao extremo depois que o símbolo da Lava-Jato Sérgio Moro anunciou sua demissão do governo fazendo acusações graves de ilicitude ao mesmo, e isso provavelmente causaria divisão e enfraquecimento do dito Messias.
Depois de uma digestão dolorosa causada pela saída de Moro e trocas de acusações entre ele e o presidente, seus apoiadores agradeceram ao trabalho do ex-ministro e continuaram a bordo do governo, dando apoio incondicional ao Capitão. E isso pode ser explicado? Pode. Mas não através de um pensamento limitado e vaidoso que classifica o “bolsonarismo” como um novo “lulopetismo”, taxando os apoiadores de gado. Este fenômeno exige uma observação mais ousada e até cautelosa.
Desde o período da redemocratização, o povo brasileiro permanecia em estado de absoluta alienação, mal sabendo quem escrevia as leis, quem as sancionava e até quem as praticava. Para se informar, o brasileiro recorria ao meio mais acessível e o com a linguagem mais fácil e direta de comunicação: a televisão. Vale lembrar que o Brasil não é um país rico e seu povo nunca foi de fato próspero, mas sempre foi muito religioso, trabalhador e fiel aos costumes conservadores e valores propriamente cristãos. Mesmo sendo alvo de doutrinação político partidária em escolas e ambientes culturais, o brasileiro, independentemente da idade, sempre almejou mesmo os direitos mais básicos para uma vida digna e autônoma, como trabalho, moradia, educação e saúde, embora por muito tempo não soubesse como exigir tudo isso. Fora as políticas de inclusão e de igualdade que promoveram sua inserção na sociedade de forma digna, o povo sempre se viu órfão de políticos que realmente os representassem, não economicamente, mas nacionalmente. Em resumo, o povo nunca teve um representante que partilhasse das mesmas opiniões, dos mesmos valores e dos mesmos anseios populares, e não só isso, mas também com a mesma linguagem chula e simples, piadista, icônica e que é presente de forma natural em um churrasco de domingo.
Bolsonaro é cheio de defeitos, ninguém nega isso. E por não fazer questão nenhuma de escondê-los, acabou se tornando destaque por sua "autenticidade", qualidade ou defeito este que nenhum outro candidato aspirante à presidência havia desempenhado. O cinismo havia dado lugar a uma espécie de nacionalismo à brasileira, com todos os seus chavões, ditos preconceitos, besteiras e acima de tudo, exaltação à pátria e aos valores conservadores.
O povo viu em Bolsonaro seu patriotismo adormecido e seus valores sendo ecoados na esfera política. Foi eleito derrotando o candidato do partido mais poderoso do país já registrado. E de acordo com pesquisas, lidera a corrida para a reeleição em 2022. Tudo isso parece muito bizarro, mas a realidade é mais simples do que se pensa.
O povo brasileiro genuinamente “brasileiro” é o povo trabalhador de raça. O que acorda às cinco da manhã para pegar o ônibus para o trabalho, é o que madruga arando a terra para plantação, é o empreendedor que rala dia e noite para manter seu negócio de pé, lidando todo dia com a interferência estatal; é o que junta poupança por seis meses para comprar um carro usado, é a mãe que paga a faculdade dos filhos, o pai que ensina o filho a trocar o pneu, o caminhoneiro que passa meses longe da família. E esse povo suportou por muito tempo os desmandos e farras de seus governantes com seu suado dinheiro e até recentemente caiu em desilusão total com a classe política que sempre desempenhava discursos elegantes e exemplares, mas que praticava os atos mais desrespeitosos para com sua cidadania.
No meio de toda essa insatisfação, o povo decidiu tomar as próprias rédeas dos rumos do país, ignorando ditos “especialistas” e opinião da mídia tradicional, e com a ascensão das redes sociais, elegeu o presidente mais avesso aos padrões comportamentais da classe política: bruto, sincero e militar. E não é de se estranhar porque o povo não o abandonou. Simplesmente porque o povo já conhece o político midiaticamente santo e ponderado e deste tipo, ninguém aguenta mais.
Na ausência de gente íntegra e disposta a quase morrer para livrar o país de seus vícios, o brasileiro abraça Bolsonaro sem medo de se machucar, de tão machucado que já está e aposta nele a possibilidade de um país novo. O que muitos chamam de idolatria, podemos chamar de amadurecimento político, no qual o desfecho pode não ser nada agradável para os que eram acostumados a se esbaldar às custas do contribuinte.
Ramon Ribeiro - Professor de Letras e Redator
O artigo acima não reflete a opinião conjunta de Bem Estar Ouro Fino