Ao lado de Ariano Suassuna e outros grandes e magníficos poetas e escritores brasileiros, a morte de Rubem Alves, nascido em Boa Esperança, nos berços de Minas Gerais, foi o que mais emocionou aos amantes da literatura brasileira. Com um grande talento para a religião e para a psicologia, foi um dos grandes e mais renomados psicanalistas de todo o Brasil! Escritor de livros infantis, educacionais, religiosos e existenciais, suas provocações filosóficas deixaram para o mundo um grande legado: "o legado de viver para crescer".
Em seu velório, realizado em Campinas no dia 19 de Julho de 2014, um último poema de sua autoria é recitado.
Seu nome é: "O tempo e as jabuticabas". O poema apresenta sua visão de mundo depois do decorrer de toda a sua vida.
Leia conosco!
O TEMPO E AS JABUTICABAS
Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver
daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela
menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela
chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir
quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos
para reverter a miséria do mundo. Não quero que me convidem
para eventos de um fim de semana com a proposta de abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir
estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas,
que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões
de 'confrontação', onde 'tiramos fatos a limpo'.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo
majestoso cargo de secretário geral do coral.
Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: 'as pessoas
não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a
essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente
humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta
com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não
foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados,
e deseja tão somente andar ao lado do que é justo.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse
amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.'
O essencial faz a vida valer a pena...
e para mim basta o essencial.
Rubem Alves
Matéria: Ramon Ribeiro dos Santos
Equipe de Jornalismo Bem Estar Ouro Fino
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